Reino do Inverno Esmaecido
- António Vilhena
- 12 de fev.
- 3 min de leitura
Atualizado: 15 de fev.

Situado nas Terras das Brumas Ocultas, fazia divisa com os reinos Torres Azuis, Gargantas Felizes e Pedras Escuras. Seu rei – Filomeno era o mais novo dos irmãos o que não significava que seu aprendizado tenha sido preterido a favor dos mais velhos. Ao contrário, sempre se destacou tanto nas letras como nas artes predicados não conhecidos e não apregoados aos quatro ventos.
Dos quatro irmãos - Filomeno era o menos conhecido já que em suas andanças fazia questão de não ser reconhecido. Nessas ocasiões não levava nem o anel com o sinete real, oferta de seu falecido pai, bem como usava trajes simples fazendo-se acompanhar por um único pajem – Crisóstomo.
Solteiro, pouco ou nada se sabia sobre suas preferências sendo a tia Augustina de quem era confidente contumaz a depositária e guardadora de tais segredos.
Belo, relativamente jovem e rei, era tudo o que donzelas – da nobreza e não só – desejavam sendo essa a razão do assédio constante através de seu pajem Crisóstomo.
Fosse como fosse, o certo é que o reino tinha que ter seu rei e Filomeno assumiu o trono após sua coroação, festividade que deu o que falar – mas essa é outra história.
A história das divisões dos reinos só foi possível se saber graças a algumas línguas que não souberam ou quiseram aquietar-se em seus lugares, mas essa narração será sabida quando melhor aprouver.
O Reino do Inverno Esmaecido representado no velho mapa em cores cinza, azul claro e amarelo esmaecido mesmo sendo contornado por montes e paredões não deixava de ter uma beleza natural ainda mais acentuada graças às inúmeras cascatas de água que após refrescarem os recortes das vertentes repousavam na terra formando lagos e recantos que de tão afrodisíacos eram frequentados por ardentes pares que acreditavam na paixão e no amor.
Como não acreditar no amor depois que os olhos admiravam tal beleza e os corpos suados pelo andar nas trilhas que levavam a tais encantos? Era o que trovadores de improviso recitavam, indo de pedra em pedra, com um dos braços em arco como se quisessem dizer: há que aproveitar o que a natureza deu e o Rei permitiu usufruir.
Tão logo Filomeno subiu ao trono, reuniu sua Casa pois queria dizer e ouvir.
Como que num sinal de mudança, ordenou que os que quisessem falar tivessem seus nomes inscritos para que, por ordem e sem tropeços se expressassem.
Como regra geral já havia determinado que por essa ocasião, não haveria interrupção nas falas cujo conteúdo era laudatoriamente assente.
Um a um, não importando a posição e somente a ordem na lista documental, apresentava seu arrazoado ora com queixas, ora com pedidos, ora com sugestões.
Foram tantos os oradores que as apresentações ultrapassaram a hora terceira e isso com a concordância de Sua Alteza que a contragosto de alguns esnobes deu continuidade já que considerava que todos os assuntos mereciam atenção.
A novidade mesmo que imposta já transcendia os salões e apesar da troca de olhares e do franzir de testas e queixos a verdade é que ninguém arredava o pé, fixando a expectativa no soberano.
Terminadas as apresentações que haviam sido devidamente anotadas, Filomeno se recolheu dando instruções expressas de não ser interrompido e que a Corte fosse convocada para dois dias depois. Era o tempo que achava necessário para ler e entender já que pleitos, queixas e outras desavenças eram mais extensos do que havia suposto.
Ao convocar a Corte sabia a que se expunha, mas – e isso tinha certeza – queria que nobres e fidalgos se envolvessem nos problemas e soluções, preservando sua autoridade que só seria usada em casos de extrema gravidade e importância.
Não admitiria falatórios que não dissessem respeito às causas e muito menos descortesias entre os ‘pares’, seus familiares e tão pouco para com a corte. Todos, absolutamente todos eram súditos e se havia – e como havia – privilegiados não era razão para baixos calões, devendo, pois, serem encontradas soluções exequíveis e de fato. O tempo do ‘uso de pistolas’ havia terminado e nem sem padrinhos era possível duelar.
Em todos os povoados já se sabia das intenções, mas havia os descrentes – várias eram as razões – como os que se benziam e afirmavam acreditar só depois. Igual ao Santo.
Enquanto isso a vida ia correndo, continuando com trabalho, suor, lágrimas e sorrisos. As conversas diziam todas mais ou menos as mesmas coisas: ora com mexericos, ora com falatórios dos vizinhos, ora com o disse-me – disse dos passeios de sua alteza que, agora, mesmo acompanhado por Crisóstomo tinha a seu redor a bela Luana a quem ofertava flores campestres com olhares cristalinos como as águas dos lagos do reino, deixando a todos confusos se era ou não paixão como o trovador apregoava.
Enquanto isso... sempre haveria um Reino do Inverno Esmaecido.



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