Reino das Torres Azuis
- António Vilhena
- 5 de fev.
- 3 min de leitura

Reino das Torres Azuis
No reino das Torres Azuis as florestas eram visíveis e o tom verde contrastava com o azul e branco das casas baixas banhadas pelos raios solares que teimavam em infundir respeito penetrando através das nuvens de cor indefinida, o que intrigava os moradores.
Os forasteiros eram raros e tão logo chegassem tinham invariavelmente sua vida pesquisada, revirada de ponta cabeça.
Seu rei, Amílcar Péroba não era nem velho nem novo, nem gordo nem magro. Estatura e porte eram condizentes com quem tenha tido uma infância sem tropeços nem desgostos apesar de árdua já que os exercícios físicos ocupavam parte do tempo. A outra era com leituras e aprimoramentos pois estava próximo o tempo de sentar no velho e carcomido trono. Desposou, a que ele achava ser a mais bela das plebeias – Mafalda, acontecimento inédito por lá, e segundo a lenda, teria sido esse um dos motivos para seu constante mau humor, olhar soberbo e implacável nas decisões.
Acreditava que todo súdito morador ou não (o viajante ao passar a linha divisória virava de imediato súdito) devia ter seu nome anotado recebendo um número já que, para facilidade de controle, atendimentos e possíveis audiências com ou sem benesses o arauto teria seu trabalho facilitado já que eram dispensadas as informações sobre sexo, beleza, idade, cor, religião – apenas um número.
Aliás, acreditava em muitas outras coisas – umas que guardava para si e outras informava a seus conselheiros com as devidas anotações: cumpra-se! E ai de quem desrespeitasse tal comunicado decisório.
Nas poucas audiências concedidas não se impressionava nem com os solicitantes e muito menos ainda com os assuntos. Mesmo sendo um regime absolutista, fazia questão de que nelas (as audiências) estivesse presente um ou mais membros da realeza, fato que ocasionava rumores e mexericos inclusive de alcova já que uns e outros, se pudessem, se gladiariam pelo privilégio – assim pensavam e diziam mesmo que à boca pequena.
Na verdade, a corte era movida pelas futricas que tinham sua amplitude aumentada sempre que mais de um cortesão ou conselheiro se encontravam o que invariavelmente acontecia por ocasião das refeições que tinham hora para iniciar, mas nunca se sabia quando terminavam.
As relações com os outros reinos não eram boas nem más, alterando-se de acordo com os interesses da realeza que mantinha uma via aberta a solicitações e ou sugestões. Os mais destemidos até diziam que essa era uma maneira sutil de mostrar de que “em nosso reino tudo é transparente já que meus interesses (do rei) são os dos súditos”.
Nos anos de colheita farta, graças ao bom Deus a quem se deve obedecer e seguir, as vicissitudes do cotidiano eram amenizadas pelos festejos convocados e proclamados, enviando-se arautos com as boas novas aos reinos vizinhos.
Por mais distantes que fossem os povoados todos ficavam sabendo ainda mais que estradas eram limpas, árvores podadas, vasos e canteiros reformados, fontes com novas roldanas, até substituição de lajotas desgastadas pelo constante pisoteado de ferraduras, novas e gastas, mas feitas dentro dos muros.
A azáfama era contagiante e todos participavam: escovar cavalos, lustrar lanternas, recolher palhas, esconder lágrimas, mostrar sorrisos mesmo que isso significasse parecer mais velho (alguns dentes já haviam caído), arrumar trajes e travessas, dar vida a flautas e tambores como a alaúdes e vielas de roda.
Notavam-se também, nessas ocasiões, mudanças nos palácios e casarios senhoriais, onde o entrar e sair era mais vistoso e menos arrogante numa demonstração de contentamento e felicidade para que ao olhar dos mais distraídos ou menos convictos (a convicção tinha vários vieses, mas dependendo das circunstâncias era guardada a sete chaves) pudesse ser transmitido de que todos os mandatários – independente o grau, tudo faziam pelo engrandecimento do reino – das classes mais humildes às mais abastadas.
Eram dias diferentes. As preocupações pareciam estar hibernadas e amortecidas pelos encantos dos desejos. Havia que se festejar e para tal também a comida e bebida tinha que ser farta. Aves – vários tipos, peças de caça, vinho e cerveja eram disponibilizados de forma a que iguais fossem assim vistos e notados. As boas graças apregoadas por menestréis regiamente recompensados bem diziam com Salve, Salve Amílcar Péroba e nossa (sua) rainha Mafalda.
Mas quando tudo passava e o sonho sonhado dispersava por entre nuvens incolores, o que se via nada mais era que gentes tentando se encontrar e viver no Reino das Torres Azuis ou em qualquer outro lugar.
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