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Coroação do Rei Filomeno no Reino do Inverno Esmaecido

  • Foto do escritor: António Vilhena
    António Vilhena
  • 17 de fev.
  • 3 min de leitura



Augustina, tia, confidente e sempre a postos, há já algum tempo sentia as angústias pela demora na preparação das festividades de Coroação do seu tão amado sobrinho Filomeno que graças ao Divino, a sua mãe Rainha Arcádia (Nas Terras das Brumas Ocultas) e aos súditos desejosos de saberem a quem servir.

            Consultou oráculos, ouviu magos e detentores de sabedoria e de todos, concluiu que o tempo havia sido determinado.

            Assim, deu início às fainas já que havia tanta coisa a pensar e preparar: o chamamento das altas personalidades dos reinos vizinhos e do próprio; as vestimentas reais; a água sagrada a ser usada no ritual de purificação; o arranjo das alas e capela onde vários atos aconteceriam; o polimento de espadas, lanças, machados e arcos (mesmo não estando em guerra, havia que mostrar força, grandeza e poder); enfim um arrazoado de diligências que aias, cozinheiros, cavalariços, falcoeiros e outros serviçais deveriam desempenhar. E ai de quem o não fizesse a contento e no tempo prescrito. Conheceria o outro lado de Augustina que, conforme ditos ouvidos em tons de sussurro ... era melhor não ouvir nem descumprir.

            A escolha das joias a serem usadas era prerrogativa exclusiva de Augustina e a ela dedicava um tempo, para alguns em demasia, mas só ela sabia o porquê. Havia uma cumplicidade entre o real e o espiritual que tais ornamentos inspiravam e que a levavam a horas intermináveis de esta, aquela, a outra, dificultando a escolha que acabaria por acontecer quando a luminosidade da lua penetrava pela alta janela da acomodação à qual apenas ela tinha acesso, o qual passaria a ser partilhado com o Rei e do qual ela esperava não lhe ser retirado.

            Sabia (e o que ela desconhecia?) dos longos passeios que Filomeno e Luana davam, das trocas de olhares e trejeitos e das ofertas de flores campestres.

            Luana não fazia parte do circulo da Corte (ainda), preocupação a ser acrescida quanto ao envio ou não do chamamento formal para a coroação.

            De muito nova, Augustina solteira por opção, havia adquirido o hábito de conversar com o Cristo que, segundo ela, era não só o melhor ouvinte como o melhor conselheiro, sendo essa a razão das horas passadas em sua capela, localizada na ala das dependências nobiliárias.

            A seus ouvidos, uma voz de tom profundo e ressonante dizia que sim, Luana poderia e deveria ser chamada, sendo a coroação uma boa ocasião para observações – de um lado e do outro – já que o Rei e o reino não sobreviria sem que houvesse uma descendência direta- (havia rumores de que Filomeno já tinha ameaçado ficar solteiro e virgem, se não desposasse Luana).

            O grande dia, finalmente chegou. Não havia residentes que ao alvorecer já não tivessem ido olhar o céu e a terra; não havia serviçais que já não estivessem acordados em azáfama; Augustina há Hora primeira já tinha completado suas rezas, já havia estado em todos os lugares estipulados e já havia tido dois colóquios – um com Luana e o outro com Filomeno.

            À hora aprazada, Filomeno após ter sido submetido ao ritual de purificação, a cujo ato assistiram pouquíssimos dignatários – da Corte e da Igreja – irradiante, ereto, percorreu em passos firmes os longos corredores que davam acesso à capela, lugar da coroação e onde já em seus devidos lugares se encontravam os que atenderam ao chamamento: D. Augustina e Luana; seus outros três irmãos – Rei Amílcar Péroba (Rei do Reino das Torres Azuis); Rei Máximus (Rei do Reino das Gargantas Felizes) e o Rei Açude (Rei do Reino das Pedras Escuras), todos acompanhados por seus séquitos; cavaleiros, nobres e artesãos.

            Todos os espaços estavam ocupados e o povo só conseguiu ver seu Rei, já coroado e abençoado quando este, da sacada da capela acenou e disse breves palavras que soaram como gotas de esperança:

            “Vós tendes um Rei a quem podereis pedir justiça e ordem, trabalho e liberdade respeitosa para que vossas súplicas não fiquem nem no vazio nem na guarda de servidores inescrupulosos.

A festa não será restrita aos salões. Portanto, aproveitai, comei e bebei e depois de saciados dançai e participai do festival de coroação.

É o vosso Rei quem ordena!”

Filomeno, agora Rei, junta-se aos convivas, com eles partilha, mas não esquece de presentear Luana com um ramo de flores silvestres.

 

 

           

 
 
 

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